domingo, 11 de dezembro de 2022

[POESIA] Três poemas de Héber Luciano


Héber Luciano nasceu em setembro de 1995, no Distrito Federal, onde se formou em Publicidade e Propaganda. Desde 2018 compartilha textos autorais na página Solidão Conjunta (@solidaoconjunta), no Instagram. Em 2020 publicou na Amazon o e-book homônimo, com 90 poemas, do qual foram extraídos os três poemas a seguir.

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POEMA X


para mim, é conveniente fantasiar

que ela, ao partir, meteu-se numa caixa,

semelhante à de Schrödinger,

e agora se mantém num estado vivomorto,

ao mesmo tempo existindo e inexistindo.

 

parece-me menos doloroso

pensar nela como uma criatura interrompida —

uma criatura que existe apenas na minha memória

e que, em vista disso, não pode viver sem mim.

 

é uma fantasia desprezível, eu sei,

mas corrói-me a vaidade

imaginar que a vida dela não parou,

que meu coração não lhe é vital,

que outras pessoas estão ocupando

o lugar que me pertencia.

 

sim, eu sei que vida dela continua:

ela está experimentando novas sensações,

descobrindo outras músicas, lendo outros livros,

assistindo a novas séries e a novos filmes,

confiando os segredos a outros amigos,

destinando o futuro a uma nova paixão.

 

mas eu sou tão incorrigivelmente possessivo

que a enfio nesta caixa, semelhante à de Schrödinger,

e decreto a suspensão de sua existência —

eu não quero receber nenhuma notícia dela, boa ou ruim.

 

a felicidade dela soaria como algo pessoal

e injetaria doses cavalares de rancor na minha alma.

em contrapartida, a tristeza dela não me provocaria sentimento algum,

exceto uma espécie de triunfo inútil, injustificável.

 

qual é a conclusão disso tudo?

eu não a amo, não a amei em nenhum momento.

se eu sofro, agora, não é por sua ausência,

mas pela privação dos benefícios

que sua presença me proporcionava.

 

ah! essa mesquinharia

que se fantasia de amor!


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POEMA XC


de vez em quando

você faz alguma coisa

pela última vez

e não tem

consciência disso.

 

parece injusto

que não exista

aviso prévio,

não é?

 

uma ligação telefônica

é interrompida precocemente

porque você não sabia

que era a última.

 

se soubesse,

jamais desligaria.

 

estenderia a conversa

até o infinito.

 

se houvesse

aviso prévio

 

você faria com que

aquele último beijo — que parecia

apenas mais um beijo — durasse

eternamente.

 

jamais

desataria o nó

do abraço.

 

agora você lembra

aquele momento

e deseja

recuperá-lo.

 

tenta materializá-lo

de madrugada,

com os olhos apertados,

fantasiando

a possibilidade

de resgatar

as sensações.

 

mas não importa

quanta força

você empenhe:

 

o momento

está perdido,

bem como

as sensações

atreladas

a ele.

 

se você soubesse que

aquele encontro banal

ao meio-dia

de uma terça-feira

seria o último, teria dito

àquela pessoa

todas as coisas que

guardou para

uma ocasião melhor.

 

você só percebe que

não há ocasião melhor

do que o “agora”

depois de perder algo

para sempre.

 

e então

as palavras não ditas

ficam entaladas

na garganta

 

e ali vão permanecer

até o fim da vida

 

pesando,

engrossando,

virando crosta,

 

obstruindo

a respiração.

 

de vez em quando você faz

alguma coisa

pela última vez

e não se dá conta disso —

embora saiba que

absolutamente tudo

nessa Terra está fadado

a desaparecer.

 

a vida é efêmera.

 

um casal feliz

jurando amor eterno

é efêmero.

 

os amigos reunidos no bar,

zombando da rotina,

são efêmeros.

 

seu cachorro te recebendo em casa,

eufórico, com o rabo abanando,

é efêmero.

 

sua avó cozinhando o prato

que você mais gosta

é efêmera.

 

seus pais almoçando juntos

no cômodo ao lado

também são efêmeros.

 

a glória

e a desgraça

da existência

consistem em sua

finitude.

 

todo dia você faz

tudo pela última vez —

e o que se repete

é uma prorrogação que

a vida te concede.


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POEMA XLIV


amor é inventar um dialeto particular,

incompreensível para quem escuta de fora.

amor é não conseguir se comunicar

com a única pessoa que te compreendia.

 

amor é escutar as músicas preferidas dela,

ainda que sejam de gosto duvidoso.

amor é detestar sua própria música preferida

porque um dia você a dedicou a alguém.

 

amor é desbravar as ruas da cidade

carregando-a sobre o quadro de sua bicicleta.

amor é tirar o celular do bolso e mudar de calçada

ao vê-la se aproximar do lado oposto da rua.

 

amor é juntar moedas de 10 e 25 centavos

para dividir um lanche na rodoviária.

amor é descobrir que ela se encontrava com outro

enquanto vocês se conheciam.

 

amor é confidenciar piadas e ponderações

usando a silenciosa força do olhar.

amor é ouvi-la confessar

que já não sabe o que sente por você.

 

amor é entrelaçar seus dedos com os dela

enquanto dirige sem rumo sob o céu estrelado.

amor é sorrir e cumprimentar o homem

que agora caminha de mãos dadas com ela.

 

amor é desabafar para ela as angústias

que você não compartilhou com mais ninguém.

amor é descobrir que a sua garota

saiu com um homem casado.

 

amor é reler as mensagens da noite anterior,

perguntando-se de onde veio essa menina.

amor é reler as mensagens de tempos distantes,

perguntando-se aonde foi parar aquela menina.

 

amor é confiar o seu coração

a uma caixinha de cristal.

amor é tudo o que toca a sua alma

para depois desaparecer.